segunda-feira, 3 de junho de 2013

E o valor do seu trabalho?




Por Camila Alves


Eu trabalho cada dia em uma loja diferente de armarinhos. Fico à disposição tricotando, crochetando, conversando, elucidando, ajudando, ensinando. Vez por outra aparece um vivente querendo saber se faço peças por encomenda. Não, não faço (ou melhor, raramente faço). Poderia, mas não faço. Sabe por que? Porque pouquíssimas pessoas pagariam o real valor do meu trabalho.


Respondo educadamente, dizendo que o preço do material + mão de obra não compensaria, a menos que fosse uma peça super exclusiva, de desenho difícil de encontrar em loja alguma (o que encareceria o produto, mas provavelmente seria pedido por alguém ciente disso). Faço para vender algumas peças. Dessas, eu aceito encomendas. Mudo cor, material, tamanho, tudo conforme a necessidade. Mas são receitas simples, e que domino.


No meio de uma tarde dessas, uma senhora foi até a mesa onde exponho alguns produtos, para perguntar se eu faria um pequeno cobre leito. Seriam vários quadrados de crochê, tecidos com um fio fino. Bem trabalhoso.

Perguntei detalhes, pensei um pouco e liguei para conversar com minha mãe, para propor uma parceria, já que é ela quem sempre me socorre com essas encrencas.

Ok, aceitaríamos a encomenda. Fui até a senhora, e passei o valor. Ela me olhou com espanto, olhos arregalados, e disse: "Credo, que horror cobrar um valor desses para fazer um monte de quadradinho!".

Minha santa ingenuidade me permitiu ainda tentar lhe explicar os porquês. A escolha do fio, o valor de cada novelo, o tempo para confeccionar cada [ínfimo, segundo ela] quadrado, o tipo de acabamento.
Nesse momento, ela disse de forma cínica: "Querida, é um absurdo uma simples artesã tentar explicar o valor do trabalho usando esse tipo de argumento."

Não falei mais nada. Sorri, e pensei: "Sem desmerecer nenhuma, mas nenhuma profissão, quanto vale a hora de um fisioterapeuta? De um médico? Dentista? Advogado? Diarista? Pois eu estudei formalmente tanto quanto eles para exercer uma profissão que, para muita gente, é hobbie. Talvez tenha estudado até mais do que alguns deles. Invisto nas minhas ferramentas de trabalho, faço cursos, compro livros, receitas, faço oficinas, pesquiso tendências. E só porque a minha profissão é diferente daquilo que a sociedade considera normal, eu não mereço receber pelo meu conhecimento?"

Então peguei minhas agulhas, sentei no meu cantinho, e continuei tricotando. Tenho certeza que muitas outras pessoas e profissões foram e são discriminadas da mesma forma. Mas devagarinho, o espaço de cada um vai sendo conquistado.

 

9 comentários:

  1. ôxe, eu teria pensado alto para ela ouvir. Quanto tempo leva a formação de um bom artesão? A vida toda, se duvidar porque a toda hora a gente está se reciclando, estudando, aprendendo novas técnicas. Não acaba nunca.

    E isso tem que ter um bom retorno para compensar o tempo investido. Os tempos são outros.

    ResponderExcluir
  2. Entao... como voce eh educada minha querida Camila. Beijo! Amo sua coluna, e esta nos devendo sobre um "certo" vestido. Eu adoraria ler sobre o assunto.

    ResponderExcluir
  3. Oi querida Camila. Concordo plenamente com você. Infelizmente ainda não temos o nosso trabalho reconhecido pela maioria . Aos poucos vamos conseguir mudar isso. Bj.

    ResponderExcluir
  4. Querida, tenha a certeza de que você não é a única a ser desvalorizada. A maioria é... Mas a sua postura está correta! Continue com o seu trabalho, sua determinação e dedicação. Quem sabe um dia o Brasil, de uma forma geral, aprenda a atribuir o valor real a cada trabalho?

    ResponderExcluir
  5. Voce tem toda razão. Por essas e outras é que nunca vendi um trabalho. Tricoto para me distrair, invisto em materiais e tempo da mesma forma que meu marido investe em suas pescarias e não vende o peixe.

    ResponderExcluir
  6. Pois Clara, eu juro que vontade não me faltou... Mas se ela foi incapaz de entender por si, achei melhor deixar para outra hora... Rsrsrs

    Muito obrigada meninas, pela leitura e pelos comentários! É super legal poder expor algumas das minhas ideias por aqui!

    Marina, pode deixar que o texto do vestido sai logo, logo!! Está no forno!

    Boa semana a todas!
    ;)

    ResponderExcluir
  7. Nilza Silva de Castro10 de junho de 2013 às 07:37

    Camila, gosto dos seus textos e gostaria de ter uma professora com toda essa garra para ensinar que percebo em você. Você é de que cidade????
    Sou de São Paulo. Quem sabe não dá certo....bjs e parabéns!!!
    Nilza

    ResponderExcluir
  8. O, Nilza, querida! Muito, muito obrigada pelo seu carinho.
    Atualmente moro em Curitiba. Peninha não poder te dar as aulas. Essa garra de ensinar só existe porque encontro pessoas como você, que tem muito prazer em aprender!

    ;)

    ResponderExcluir
  9. Percebo muito essa discriminação,tem gente que pensa que o material vem de graça e o nosso tempo dedicado não vale nada.
    Isso aí Camila,essas pessoas nem vale a pena trocar palavras.Pois não entendem nada.
    Muito bom seu texto :)
    Abraços

    ResponderExcluir