Felicidade é uma viagem

Por Clara Quintela

Você gosta de tricotar ou gosta de terminar uma peça?

A pergunta pode parecer sem sentido. É claro que quem tricota gosta de ver a peça pronta, arrematada, acabada e blocada. Mas até chegar na fase final, existe uma receita inteira a percorrer. Nesse caminho às vezes há muitas "oportunidades" para cometer erros.

E é aqui que eu pergunto: você é capaz de fechar os olhos para um erro cometido há algumas carreiras (e que passou batido na hora) ou concertá-lo?

Tem gente que nem liga se fez bobagem lá atrás e segue em frente. Mas há outras que se incomodam tanto em saber que não está tudo certo, que se vêem praticamente obrigadas a voltar lá atrás e corrigir. Nenhuma resposta está errada, cada um sabe de si.

Aí entra a pergunta inicial. Se você é ansiosa e quer mais terminar logo o que está nas agulhas para começar outra coisa, é bem provável que você ignore o erro e conclua do jeito que estiver lá. Mas.... eu sugiro uma reflexão sobre essa atitude.

Há 100, 200 anos, era diferente. Não havia lojas onde as pessoas pudessem comprar blusas e meias e cachecóis e gorros para a família inteira de uma vez, em modelos e cores diferentes. Mas hoje em dia. A gente tricota porque quer, não porque precisa. A gente tricota como passatempo - é claro que podemos sempre usar o que tecemos, óbvio. Tricô é um passatempo útil. Mas não temos mais a urgência de antes, de fazer todo um enxoval antes do inverno chegar para não sofrer com o frio.

Isso posto, concluímos que: temos tempo. Tempo para curtir cada laçada, cada mate simples ou duplo, para ouvir o tic-tic das agulhas em nossas mãos e sentir o deslizar macio do fio. Se o foco for apenas na conclusão da peça, todas as qualidades terapêuticas do tricô não podem ser aplicadas. Invés de tranquilidade, tricotar dá aflição. O foco precisa ser na viagem toda, ponto a ponto, etapa por etapa.

Fazendo desse jeito, comete-se menos erros, afinal, você está prestando atenção no que está fazendo. Mas, mesmo que algo saia errado, desmanchar não será nenhum problema, porque, afinal, você gosta de tricotar. E terá a oportunidade de tricotar mais um pouquinho.

Como diz aquela frase atribuída ao Henfil,  "felicidade é uma viagem, não um destino".